terça-feira, 14 de outubro de 2025

do que ficou (ou a toalha de linho branco)

Toda vez eu a mantenho; isso é um tesouro imensurável, eu sempre repito. A toalha de linho, bordada com ramos de trigo em linha amarelo mostarda, à guiza de ser dourado.

A toalha da mesa do seu noivado, você fazia questão de me contar. Meses bordando o que hoje considero uma relíquia: uma sobrevivente a tantas relações instáveis, a tantas mudanças, a tantos renascer após abusos.

Agora repousa intocada no fundo de um na gaveta: o lembrete visível do quanto éramos diferentes. 

Hoje me pergunto quais tolices me fizeram fazer tanta questão de ser diferente de você: havia força em sua fragilidade, resiliência em sua fé. Que o amanhã sempre haveria de ser melhor, que as pessoas haviam de mudar, que o amor valia a pena se a pessoa se martirizasse por ele.

Penso que se tivesse algum talento parecido com o seu, talvez tivesse sido mais fácil de se amar. 

Mas era imperita com agulhas e linhas, sórdida em humor e ácida em falas: te afastava para provar meus pontos.

Hoje beijei solitária os bordados da toalha de linha, que bordastes a tantos anos, colocando fé, amor e esperança linha a linha. 
O retrato da sua persistência e talento, enquanto sonhava com amores e os futuros filhos. Uma vida feliz, quem sabe.

Por fim, estavas aprendendo a bordar toalhas de rosto, com fita traçada. Mas está já é o retrato de sua impaciência, de quem viveu a vida dos sonhos e os corres reais, de quem caiu muito com a cara no chão por acreditar demais em quem não devia.

Também a guardei, entrelaçada com a de linha, como um lembrete: o utópico nos faz sonhar, mas para o corre real, a impaciência do "antes feito que perfeito" é a justa medida.

Desentulhar (ou a arte de deixar ir)

 Hoje eu fiz algo que queria profundamente a tempos: desentulhar os armários. Arrumar as gavetas. Jogar o que não presta fora. O sem uso. O quebrado mas guardado por valor sentimental. O nunca usado mas vai quê. 

E em alguma parte disso eu me senti tão mais leve. Tão mais suave. E em algum momento eu chorei: sem saber o porquê.

Não havia dor. Havia algumas lembranças. Mas nada demais. 

E de repente me senti tão leve por dentro, flutuando? Mas por dentro. Como se eu tivesse soltado amarras que impediam meu coração de ir até a superfície tomar fôlego. 


E agora meu coração flutua e meus olhos, transbordam.

do que ficou (ou a toalha de linho branco)

Toda vez eu a mantenho; isso é um tesouro imensurável, eu sempre repito. A toalha de linho, bordada com ramos de trigo em linha amarelo most...